Dia. Fragma.



Foto e texto: Marcelo Magalhães

(baseado em um anjo real)


O sol, moreno, à pino, alimentava – em profusão – a desejada produção de melanina. A pele agradecida pintava-se jambo para aquela ocasião.

Há anos não sabia férias. Há dias gozava a plena liberdade plena.

Ao volante do surrado Buggy azul, deixava o vento surfar os cabelos mais longos e abraçados em sal. A barba cotidiana se espreguiçava pelo rosto. Ganhara mais terreno na face em que as maças se instalaram pelo riso permanente - daqueles dias. Tudo era motivo. Motivos eram tudo.

Àquela altura, na estradinha de costelas, o sorriso estampava. Ria da escolha do destino – o da viagem, eu digo. Nas semanas anteriores ouvira tantas vezes:

- Ãhn? Onde? Gostoso?! O que que é isso, muleque? Parece maluco...

e ria do destino: São Miguel do Gostoso. Nem ele sabia ao certo porque escolhera aquela entre tantas praias. Talvez, bem no fundo, desejasse encontrar a mulher que meses antes decidia as férias que ele nunca tirava.

- Vamos pra Gostoso. São Miguel do Gostoso!, dizia ela entre frouxas risadas e um leve movimento para colocar, para atrás da orelha, os fios que fugiam do rabo de cavalo, que ele tanto amava.

- Ãhn? Onde? Gostoso? O que que é isso, menina? Parece maluca... respondia prestando mais atenção no desfile de dentes e no ajeitar do cabelo do que no destino das férias que não tiraria.

Trepidando na estrada descobria exatamente o porquê de ter ido até lá.

A mecânica débil do charmoso Buggy contrastava com a máquina Cannon, última geração, enrolada, sem muito cuidado, na toalha areiada. Comprara dias antes da viagem um modelo igual ao do irmão-modelo. Haveria de ser boa. Os registros – em click – haviam se tornado sua grande companhia naquela viagem solo.

Dirigia em direção a um pequeno vilarejo – obrigatório antes da próxima praia deserta. Buscaria a foto padrão de elogio: casebre de barro, terra abatida, rasgos de sol. Quem sabe, por sorte, até uma criança feliz por nada ou uma senhora com pele de gente que viveu.

Cegado pela lente dos óculos hippie-ippie-uha buscava a tal foto. Este que sabia ser o erro mais básico de qualquer fotógrafo – ainda que absolutamente amador.

Na primeira casa do vilarejo procurou o que descobriu: um muleque desses bem mirrados. Cabelo moreno para combinar com a pele, curtinho. Short duas vezes maior do que ele – talvez herdado de um irmão mais velho, ou de um turista qualquer. Brincava, em seu banho de mangueira, e pintava a pobreza com água nada encanada.

A foto perfeita.
Parou. Acenou levemente com a cabeça. Com um sorriso pediu permissão para tirar a foto que a máquina ansiosa já preparava. O garoto deu risada maior e espalhou água com mais descontrole. Consentiu.

Click.

Conferiu. Ajustou; fechou um pouco o diafragma.

Click.

Sorriso.

Click – só por garantia.

Perfeito.

Acenou agradecendo e já guardava a câmera.

Não a vira.

- Ei! Moço!

Não ouvira.

- Moço! Tira uma foto minha? Moço!

Destino.

Encostada num projeto de porta ela olhava com olhos que só se vêem uma vez. Fixamente. Linda. Deslumbrante.

Click.

Os cabelos desgrenhados invadiam o rosto – dela e dele. A fixação que a câmera lhe causava era tão intensa quanto a dela – câmera – por ela – anjo.

Click.

Camisa estilosa: de um ombro só. Estampava uma gata genérica da famosa gata americana Hello Kitty. Pose de estrela americana.

Click.

Faltavam dentes naquele sorriso tão puro. Sobrava magia. Não haveria diafragma no mundo que fechasse tanto para não ser invadido por tanta luz. Abriu.

Click. Click. Click.

Sorriram.

- Como é o seu nome?; perguntei.
- Raquel.

Click.

Comentários

Madre disse…
Lin, a fotogenia do seu texto é digna de clicks em que a sensibilidade é o maior modelo, descrito em palavras que enchem os olhos de emoção. Anjo ilumidado, sorria. Click! Há motivo!
Papa disse…
É meu milin, quantas lembranças passeando por seu texto doce. Imagens, sombras e momentos emoldurados por sua sensibilidade e texto generoso. A Mama tem razão, filho Anjo, que nos ilumina a alma.
Jamais permita que o dia-a-dia interfira em seus cliks, eles é que nos registram a vida e adoçam as memórias, renovando a vida. bjs Papa
Aman. disse…
Não sei oq mais gosto qdo venho aqui. Se dos seus textos/ fotos ou dos comentarios da sua mae, e hoje, tbm do seu pai. Saudades de vc. Beijos grandes, Aman.
Eu sei do que gosto mais quando você vem aqui: teu carinho sempre tão espontâneo.

Bjos de saudade
Cris disse…
Simplesmente perfeita - seu anjo!

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