Paco




´Vamo passear?´. A sonoridade de umas parcas palavras despertavam nele, Paco, êxtase. Convido vocês a este passeio aos meus sentimentos e memórias.


(Sábado de manhã. A data já não é precisa e não é preciso precisar a data)

Túnel Rebouças. Carro de família, sem luxo, mas com conforto. A mistura de luz e escuridão se mistura à mistura de emoções do guri que deixa a janela para ouvir a exclamação do pai.

´Paco! Paco é um nome gozado!´, diz.

Os irmãos – motivo maior daquela aventura – se entreolham meio
desconfiados. ´Paco? O que é Paco, oras?´, pensam. Dão com os ombros e, sabendo que a decisão seria irrevogável, partem para a escolha que ainda lhes restava; o sobrenome.

´Paco Bell, então´ – dispara o mais novo.

´Feito´, atesta o pai. Sorriso gigante no rosto disfarçado pelo clássico modelo dos óculos escuros.

O som do carro e no carro aumentam e a ansiedade invade o espaço, sem luxo, mas com conforto. O destino era um canil na improvável Ilha do Governador.

(corte para a apresentação psicológica dos personagens)

No longo trajeto – para os cariocas, então ´da gema´ – os irmãos
fantasiavam o mascote. Há meses vinham tramando o grande ato. O desejo
incontido era mesmo do mais velho.

Queria um cachorro.

No caçula encontrou o aliado perfeito. Não foi difícil - uma vez mais - plantar no muleque levado sua vontade. Passaram, então, a fazer uma verdadeira campanha eleitoral: consulta a livros para escolha da raça mais apropriada, elogios a qualquer quadrúpede que cruzavam (desde que diante da presença dos pais, é claro), participações em promoções de uma revista descolada da época, imagens de cachorros em poses irresistíveis na pequena cortiça...

O coreto estava armado.

Na cabeça – paradoxalmente mais quadrada – do levado a imagem era uma só ´Cocker dourado exatamente como nas promoções da revista. Exatamente como na ponta da coleira das madames de Ipanema.´. Além de levado era genioso. Contrariar seria imprudente.

O mais velho e zeloso ia com outra cabeça. Queria um cachorro. Sabia do gênio do irmão, mas era gênio na arte de dobrá-lo. Dava com os ombros ao que poderia ser um problema eminente.

O carro parou e as quatro pernas saíram correndo – as duas do pai vieram, mais equilibradas, logo a seguir.

Eram uns quantos filhotes. Pouco importa quantos e seria impossível
lembrar o número. Os olhos, infantis, tom de mel – eram por base castanhos, mas quando tomados por sol ou irradiados de brilho açucaravam – pousaram fixos naquele rascunho de cão. Chocolate, branco e pontuais toques dourados. Ar de ´lord´. Magrinho, mal parecia ter forças para equilibrar as longas orelhas.
Mas como pulava! As unhas, mal aparadas, em sintonia com os
dentes-de-agulha logo iniciaram as primeiras das tantas marcas que iria deixar naquela família.

Não havia dúvida era ele.

Paco. Paco Bell.

1ª lição – Não se escolhe um cachorro. O cachorro é quem escolhe você.

Comentários

Madre disse…
Que surpresa agradável! Quanta saudade, Lin! Seu depoimento irretocável dos primeiros momentos concretiza a lembrança do nosso querido Paco. Presença eterna.
Jaguarito disse…
Belíssimo, mai frendi! Suas lembranças são sempre uma leitura revigorante! Beijão!

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